PLANTÃO PSICOLÓGICO REMOTO PARA UNIVERSITÁRIOS EM SOFRIMENTO PSÍQUICO
Resumo
O sofrimento psíquico no contexto universitário contemporâneo tem sido fonte de pesquisas e intervenções em diversas Instituições de Ensino Superior (IES) no mundo. Autoras(es) têm elencado fatores de risco, que envolvem tanto as relações interpessoais estabelecidas nas academias, como a infraestrutura institucional, as metodologias de ensino e de avaliação, assim como a história pregressa dos sujeitos e seus contextos sociais mais amplos (Auerbach, 2016; FONAPRACE, 2014; Graner & Ramos-Cerqueira, 2016; Padovani et al., 2014). Diante destes fatores, para além do sofrimento psíquico intenso, essa comunidade tem sido afetada por transtornos mentais e do comportamento, como também por comportamento suicida (Cambricoli & Toledo, 2017; Dutra, 2012). No entanto, é possível se pensar em fatores de proteção que podem levar a uma vida acadêmica menos conteudista e voltada ao mercado de trabalho, mais feliz e focada na qualidade de vida e na saúde mental dessas pessoas, a exemplo de grupos operativos; grupos interventivos; psicoterapia e plantão psicológico (Bezerra, Moura & Dutra, 2021; Oliveira & Cipione, 2008; Macêdo, 2018; Osse & Costa, 2011). Diante desse cenário de sofrimento psíquico e adoecimento por parte deste público, o Núcleo de Cuidado ao Estudante Universitário do Semiárido (NuCEU), surgiu em 2018, na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), vinculado como projeto aos Programas de Extensão PIBEX, ao Colegiado do curso de Psicologia e ao Centro de Estudos e Práticas em Psicologia (CEPPSI), serviço escola da instituição. Trata-se de um projeto que tem por missão o acolhimento, a escuta, o cuidado e a promoção de qualidade de vida e saúde mental às(os) estudantes e, atualmente, também a familiares dessas(es) discentes, suas/seus docentes e demais colaboradoras(es) de suas instituições, sejam públicas ou privadas. O NuCEU é coordenado por uma docente psicóloga, tem um(a) bolsista anualmente e conta com várias(os) estudantes voluntárias(os), colaboradoras(es) e estagiárias(os). Além disso, tem parceria com outros colegiados da UNIVASF (Educação Física, Farmácia, Administração e Artes Visuais) e com profissionais das mais variadas áreas, principalmente psicólogas(os) egressas(os) da instituição. Até março de 2020, de forma interdisciplinar, o NuCEU realizava atividades presenciais como atendimentos emergenciais, atendimentos individuais, palestras, grupos interventivos, integração de calouras(os), oficinas pontuais, oficinas de escuta, rodas de conversa, participação em eventos e produção de resumos e artigos, reuniões estratégicas com possíveis parceiras(os), supervisões semanais, plantão psicológico no CEPPSI e itinerante em diversos campi universitários da região do semiárido nordestino. No entanto, diante dos impactos da pandemia da COVID-19 e da medida de distanciamento social para contenção da contaminação por COVID-19, que causaram mudanças nos modos de ser e estar no mundo, o núcleo precisou reconfigurar suas atividades para se adaptar às práticas remotas. Neste cenário pandêmico, destaca-se que as IES tiveram que modificar seu funcionamento, suspendendo aulas presenciais e passando a adotar o Ensino Remoto Emergencial (ERE) para garantir continuidade de seus calendários letivos e respeitar portarias do Ministério da Educação, como a Nº 544 (16/06/2020), assim como o Parecer nº 19 (08/12/2020), do Conselho Nacional de Educação, que estendeu o ERE até 31 de dezembro de 2021. O ERE modificou totalmente o processo de ensino e aprendizagem das IES que tinham todas as suas atividades presenciais. As(os) alunas(os) tiveram que se adaptar, passando horas sentados na frente de uma tela ou tentando diminuir a procrastinação, já que em casa possuíam vários distratores, e, em muitos casos, inclusive tiveram que conciliar o estudo com trabalho que precisou ter com o início da pandemia e seus reflexos na economia. Não só as(os) discentes, mas as(os) docentes também tiveram que passar por esse processo de adaptação, principalmente ao uso de tecnologias digitais de informação e comunicação, tendo que recriar seu modelo de lecionar, avaliar, contabilizar presença e procurar uma forma de ensinar os conteúdos/atividades que possuíssem a mesma qualidade de aprendizado presencial. A família também teve que modificar sua rotina com suas/seus filhas(os) em casa em tempo integral e tentando criar um espaço tranquilo para que elas(es) pudessem aprender. Porém dadas as condições de muitas(os), ficou inviável. A família das(os) docentes também tiveram suas rotinas alteradas, pois necessariamente teriam que delimitar espaços e tempo para respeitar o momento de trabalho em casa. Considerando-se que a pandemia da COVID-19 provocou muitos adoecimentos psicológicos pela gravidade da situação, falta de trabalho, pessoas morrendo e distanciamento social, esse novo modo de estudar, aprender e ensinar, terminou impactando na intensificação do quadro adoecedor. Estudos demonstram que estudantes universitárias(os) vêm sofrendo com a perspectiva de perder os semestres ou adiar a conclusão do curso, assim como docentes têm precarizadas mais e mais suas condições e relações de trabalho (Avelino e Mendes, 2020; Barreto & Rocha, 2020; Hodges et al., 2020; Silva et al., 2020). Muitas dessas pessoas estão apresentando ansiedade, pânico, medo e insegurança devido às inúmeras exigências e impasses, consequência do contexto pandêmico (Gundim et at., 2020). Todos esses fatores combinados, influenciam no desempenho acadêmico da(o) estudante e suas relações interpessoais para além da universidade; assim como impactam o cotidiano de trabalho das(os) docentes. Nesse contexto pandêmico, em que o contato está se dando, principalmente, através das telas, há carência de vínculos, de investimento afetivo e fragilidade nas relações, o que potencializa a vulnerabilidade ao sofrimento psíquico e ao adoecimento mental entre universitárias(os), docentes e demais trabalhadoras(es) da educação, devido às novas condições de trabalho. Nota-se que tem se intensificado a exploração da força de trabalho, condição de precarização, competição, falta de reconhecimento e valorização profissional. Como consequência, tem-se sujeitos sofrendo com mais tensão, estresse e menos motivação para produzir. Logo, mais vulnerável psicologicamente (Pereira, Santos, Manenti, 2020). Na nova realidade acadêmica há inúmeros trabalhos, demandas de atividades síncronas e assíncronas, de pesquisa, de projetos, entre outros, o que favorece sentimentos de cobrança constante, fruto do sistema que prioriza o produtivismo acadêmico e a alta performance, que incita resultados com patamares cada vez mais elevados (Oliveira, Pereira & Lima, 2017). Diante disso, surgiu a necessidade de criar uma rede de apoio que beneficiasse as(os) envolvidas(os) neste contexto. Por isso, o presente relato de experiência foca uma das modalidades de atendimento psicológico ofertada pelo NuCEU a este público, o Plantão Psicológico, que vem sendo desenvolvido de modo remoto, tendo por objetivo apresentar como o serviço foi ofertado para todo o Brasil no período de agosto a outubro/2021, ressaltando a importância do mesmo como dispositivo de cuidado, proteção e promoção de saúde mental de todas(os) envolvidas(os). Partimos do princípio de que este serviço é uma modalidade clínica de atendimento pontual, a qual se caracteriza pelo acolhimento da pessoa que se encontra em sofrimento psíquico, bem como, pela escuta atenta e cuidadosa, direcionada ao desenvolvimento de potencialidades dessa pessoa, tendo um potencial transformador (Cardoso, 2020). A(O) plantonista tenta compreender o fenômeno que surge no aqui-e-agora, acolhendo a experiência tal como é vivida pela pessoa. Possibilita novos posicionamentos e o resgate a uma maior autonomia emocional. Essa modalidade pode ser um meio de atendimento emergencial ou a porta de entrada para uma possível psicoterapia, e, além disso, pode ser uma modalidade adequada a contextos institucionais, por reunir o tripé ensino-pesquisa-intervenção (Pereira et at., 2021). De acordo com Doescher (2012), o Plantão Psicológico é visto como encontro da urgência, compreensão do sofrimento e do impacto deste sobre a(o) sujeito no exato momento do atendimento, onde a(o) plantonista se propõe a despir-se de julgamentos para acolher integralmente o que é dito e sentido, numa tentativa de cuidar. Para tanto, a realização dos atendimentos seguiu os aspectos éticos e técnicos da Psicologia, presentes no Código de Ética da(o) Psicóloga(o) (CFP, 2005), e o NuCEU contou com a parceria psicólogas(os) egressas(os) da UNIVASF, atuantes em diversas abordagens da Psicologia e espalhados por diversas cidades do Nordeste. Visando uma melhor organização e desenvolvimento dos atendimentos, foi feito um documento orientador contendo diretrizes para a oferta do Plantão Psicológico, que previa o monitoramento do serviço por um(a) estudante extensionista, que prestaria toda a assistência para a oferta do plantão: desde a divulgação pelas redes sociais até inscrição e acompanhamento do atendimento junto a(o) psicóloga(o) colaborador(a). Para tanto, foi organizada uma tabela com disponibilidades de horários das(os) psicólogas(os) e monitoras(es). Para participar, a(o) usuária(o) deveria preencher um formulário publicado semanalmente sempre entre as 8:00 e as 20:00h na página do Instagram do NuCEU, que continha questões que envolviam informações pessoais e acadêmicas, além de solicitar comprovação de vínculo com a IES da qual a(o) usuária(o) fazia parte. O serviço foi ofertado sempre às sextas-feiras, pela Plataforma Meet, do domínio GSuite da UNIVASF, tinha duração de cerca de 50 minutos a uma hora de sessão por cliente, sendo atendidas(os) de uma a três pessoas por plantão, conforme disponibilidade da(o) psicóloga(o) colaborador(a). Cada pessoa poderia ser atendida até duas vezes por profissionais diferentes, com o intuito de não se estabelecer vínculo terapêutico como propõe uma das características da modalidade de Plantão Psicológico. No total, participaram 12 profissionais e 24 extensionistas entre titular e suplente; inscreveram-se 54 interessadas(os) em serem atendidas(os). Usuárias(os) que não eram contempladas(os) pelas vagas de inscrições compunham uma lista de espera, para caso algum(a) participante desistisse ou houvesse alguma intercorrência. Após a realização dos atendimentos, a(o) psicóloga(o) e a(o) extensionista produziam os registros para serem armazenados no banco de dados/prontuários do CEPPSI e conversaram sobre os casos, que eram relatados na reunião de supervisão pelas(os) extensionistas à coordenadora do núcleo, uma vez que, essa prática do compartilhamento da experiência é potente para produzir sentidos que favoreçam o desenvolvimento da escuta do estudante de Psicologia extensionista. Assim, a supervisão dos casos atendidos foi uma forma das(os) extensionistas compartilharem suas experiências, seus medos e anseios, de aprenderem com as(os) colegas do grupo, de desenvolverem sua atitude e escuta clínica e de articular, através da prática, os conhecimentos adquiridos durante a formação (Sei & Paiva, 2011). A supervisão, portanto, permite o reconhecimento do processo de vir-a-ser da pessoa, desde que as(os) extensionistas são levadas(os) a compreender os sentidos implícitos na história da pessoa atendida, tendo possibilidade de ampliar seu olhar sob os aspectos mobilizados e seu conhecimento para lidar com determinadas demandas. As idades das(os) inscritas(os) variaram entre 18 e 40 anos, a maioria do gênero feminino e de instituições públicas, tendo sido contempladas(os) 22 usuárias(os), de comunidades acadêmicas e cursos diversos de seis estados brasileiros, em sua maioria, discentes. Dentre os cursos, destacam-se Psicologia, Farmácia e Ciências Contábeis. As principais queixas giraram em torno de questões como ansiedade, depressão, luto e relações amorosas/familiares fragilizadas, causadas ou agravadas pela COVID-19, que afetou profundamente as dinâmicas sociais. As demandas foram identificadas através do discurso das(os) próprias(os) inscritas(os) no decorrer dos atendimentos e a partir do acolhimento e manejo realizado foi possível tecer possibilidades tanto de enfrentamento dos problemas apresentados no aqui-agora, quanto identificação de uma demanda mais complexa e o encaminhamento para um processo terapêutico mais longo, a depender da complexidade das falas (queixas) apresentadas. Ao final de cada atendimento, era questionado à pessoa sobre como a(o) mesma(o) saía daquele encontro. De modo unânime, todas(os) as(os) atendidas(os) relataram alívio para as suas angústias e queixas. Desse modo, percebe-se que, ao compartilhar as experiências com as(os) plantonistas, as(os) usuárias(os) compartilharam sentidos, aliviando seus sofrimentos e elaborando estratégias de enfrentamentos. Ademais, algumas dificuldades foram surgindo, como a falha de conexão, visto que todos os plantões foram on-line e uma queda ou uma internet ruim podia acarretar problemas de compreensão e comunicação. Um desafio enfrentado foi a diminuição na procura, principalmente no final dos calendários letivos das instituições públicas, apesar das publicações feitas nas redes sociais (Instagram, WhatsApp, Facebook e E-mail) serem bem massivas. Isso favorece refletir sobre o motivo da alta procura no início do projeto e sua queda ao final do semestre, assim como das desistências. Talvez o período de provas ou o receio de demonstrar fraqueza, a rotina acadêmica ou até mesmo a falta de conscientização sobre questões relacionadas à saúde mental sejam o que interfere na busca pelo cuidado de si, assim como já apontou Macêdo (2018). Outra dificuldade diz respeito à falta de um espaço adequado, com pouca privacidade ou interrupções, principalmente das(os) familiares da pessoa que estava em atendimento, o qual poderia gerar uma quebra de raciocínio e sentimento de insegurança pela pessoa. Para além disso, o próprio Plantão Psicológico apresenta suas limitações devido o seu caráter ser emergencial, em que se prioriza apenas o acolhimento ao sofrimento e não solucionar ou amenizar problemas que a pessoa está passando no momento ou aprofundar assuntos que demandam ajuda mais delongada. No entanto, o plantão psicológico remoto do NuCEU permitiu a ampliação dos atendimentos, uma vez que, algumas(uns) psicólogas(os) realizaram o atendimento mesmo estando em outra região e ainda, qualquer pessoa do Brasil poderia participar, ou seja, superou a distância geográfica que um plantão presencial não favorece. Também possibilitou a aproximação e melhoria no uso das ferramentas digitais utilizadas pelas pessoas envolvidas, já que as(os) extensionistas puderam experienciar a prática da escuta clínica antes do estágio profissionalizante, e de formato remoto, o que viabilizou o amadurecimento acadêmico significativo, principalmente ao se considerar que o atendimento psicológico remoto tem se tornado uma larga oferta de serviço à população. Conclui-se, portanto, que, apesar das limitações da modalidade remota, o plantão psicológico resguarda o cuidado com a comunidade acadêmica e favorece aos profissionais e estudantes que atendem, a possibilidade de cuidar das pessoas no exato momento em que elas buscam ajuda, independente de onde elas estiverem.
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2021 Fórum Regional de Pesquisa e Intervenção (FOR-PEI)
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.